A crescente valorização social do
trabalho em rede e da participação dos cidadãos e das comunidades na busca de
soluções para os seus problemas favorece o aparecimento de novas práticas
sociais promotoras de coesão social. A mediação formal, tendo (re)nascido nos
anos 70, é uma delas, tendo vindo a afirmar-se em âmbitos sociais muito
distintos, a partir de uma diversidade de concepções e modelos de mediação.
Assim, podemos identificar uns
modelos mais orientados para a co-construção e para o reconhecimento da
individualidade e da autonomia de cada um, partindo das suas perspectivas para
as reconceptualizar no jogo comunicacional (modelo hermenêutico), outros
modelos mais orientados para a transformação social, através de uma consciência
crítica – e de uma determinação no sentido da emancipação relativamente a
condicionamentos sociais – e do reconhecimento e capacitação de todos e de cada
um (modelo transformativo).
A mediação, enquanto prática
socioprofissional, e a figura do mediador, enquanto actor interveniente no
restabelecimento de laços e interacções inexistentes ou fragilizadas, ou mesmo
na prevenção de conflitos potenciando uma cultura de não violência (Xáres,
2002) e de participação responsável, tem-se tornado simbólica e socialmente
relevante.
As características da sociedade
actual, a (re) conceptualização das práticas de mediação e a receptividade das
sociedades contemporâneas a este tipo de intervenção social têm feito com que a
mediação, enquanto conceptualização teórica e prática socioprofissional, venha
conhecendo uma expansão crescente. Hoje em dia, a mediação é muito mais do que
uma técnica alternativa de resolução de conflitos, constituindo uma modalidade
de regulação social, promotora da emancipação e da coesão social. Aplicada ao campo
da educação, a mediação é ainda um meio de educação para a participação das
novas gerações na construção da democracia e de educação para a paz.
A noção de mediação tem vindo a
ser amplamente mobilizada encontrando-se associada a uma multiplicidade de
práticas. Podemos, no entanto, encontrar nelas um denominador comum: o serem
fundamentalmente sociais e educativas. A mediação é uma actividade fundamentalmente
educativa, pois o objectivo essencial é proporcionar uma sequência de
aprendizagem alternativa (nomeadamente entre pessoas em conflito, explícito ou
implícito) superando o estrito comportamento reactivo ou impulsivo,
contribuindo para que os participantes no processo de mediação adoptem uma
postura reflexiva. Neste sentido, podemos também assumir a mediação como uma
cultura de mudança social (Munné & Mac-Cragh, 2006; Torremorell, 2008)
que promove a compreensividade entre os diferentes participantes no processo de
mediação, defende a pluralidade, as diferentes versões sobre a realidade e
fomenta a livre tomada de decisões e compromissos, contribuindo para a
participação democrática. As práticas de mediação orientam-se, assim, no
sentido da coesão social (Bonafé-Schmitt, 2009) – dimensão social – e da
cidadania activa – dimensão educativa.
A mediação socioeducativa é
aquela em que nos centramos no âmbito deste estudo, e incide preferencialmente
nos contextos escolares, associativos e comunitários, enquanto método de
resolução e gestão alternativa de conflitos, meio de regulação social e de
recomposição pacífica de relações humanas. É uma prática que ocorre em
contextos educativos, tanto escolares, como de educação não formal e informal,
cuja acção se pode centrar em indivíduos – e no seu desenvolvimento e inserção
social – ou em grupos e comunidades – com uma dimensão colectiva e de coesão
social (Luison & Velastro, 2004).
As potencialidades da mediação
para facilitar a ligação entre a escola, a família e a comunidade centram-se na
valorização da comunicação com vista ao (r)estabelecimento das relações e
interacções inexistentes ou fragilizadas, à aceitação e assumpção das
diferenças, trabalhando no sentido do desenvolvimento de competências
sociocomunicacionais e sinergias mútuas. Neste sentido, o papel do mediador é o
de accionar redes de interacção e comunicação, proporcionar as pontes, as
passereles, que promovam a aproximação daqueles que não conseguem ou têm
dificuldade em comunicar(-se) (Freire, 2006).
Tal implica, por parte do
mediador socioeducativo, uma polivalência de funções, que permita a melhoria do
acesso aos recursos humanos e materiais, o apoio e articulação com outros
profissionais e a criação de redes comunitárias. Trata-se, assim, de um
entendimento do papel social e político da mediação, pelo que extravasa
largamente a dimensão técnica em que alguns a circunscrevem. Neste sentido,
convivência e coesão social não podem significar colonização e homogeneização,
mas participação e heterogeneização, num quadro de reposição da confiança
social (Freire & Caetano, 2008).
Neste quadro de intervenção
socioprofissional, as situações de trabalho em que os mediadores se inscrevem
são, sem dúvida, contextos de (auto)reconhecimento e satisfação pessoal e
profissional. Conforme salienta Divay (2009: 243), "os mediadores
encontraram o seu lugar junto de diferentes trabalhadores com quem interagem e
que demonstram amplamente a sua utilidade". No entanto, como sublinha esta
autora, não podemos ignorar o facto de que eles se tornaram partenaires
indispensáveis, entre outras razões, porque o seu campo de intervenção é
bastante elástico, o que permite recorrer-se-lhes para lhes delegar o trabalho
menos agradável – ‘du sale boulot’ de acordo com Hughes (1996) – ou o trabalho
que existe em excesso para os outros profissionais – ‘boulot en trop’ como o
define Cadet (2005). Serão, porventura, estas razões – causas e/ou
consequências – que subjazem às situações instáveis e precárias de emprego em que
se encontram – em Portugal, como noutros países europeus – e até um certo
isolamento, que não tem impulsionado "a força colectiva necessária que
lhes permita reivindicar ‘um mandato para definir os comportamentos que deverão
adoptar as outras pessoas face ao seu trabalho’ [Hughes, 1996: 9]" (Divay,
2009: 243).
Contudo, apesar da fragilidade do
seu estatuto profissional, no caso do estudo que realizámos, os mediadores
manifestam uma auto-imagem colectiva pública bastante positiva, como será
salientado mais à frente. Uma profissão define-se a partir de um corpo
especializado de trabalhadores, que dominam determinado conhecimento (prático
e/ou teórico), considerado socialmente relevante, e que se sentem identificados
entre si, considerando-se parte integrante desse colectivo.
No caso dos mediadores, poderemos dizer que
existe um saber com raízes sociológicas e antropológicas ancestrais,
reinvestido, alargado e enquadrado no pensamento contemporâneo. Mas, em nosso
entender, a sua especificidade radica mais no agir, no desenvolvimento de uma
praxis, ou seja, na actividade do mediador e que, para além de uma importante
componente técnica, implica uma forte componente ética e reflexiva.
As técnicas e as competências
mobilizadas para a mediação são comuns a outras actividades, como a terapia,
por exemplo. No entanto, na mediação elas surgem enquadradas por outras
finalidades, tanto educativas como sociais. O campo da mediação surgiu e
desenvolveu-se num quadro de raízes multidisciplinares que, como dizem Highton
e Álvarez (1999: 191), “enriqueceram a profissão, mas
também conseguiram confundir seu sentido de identidade; e, na forma como o
mediador vê a profissão, tem um papel importante o próprio conhecimento como
tal, mas também há elementos que variarão dependendo de sua própria profissão
de origem.”
Assim se questiona muitas vezes:
será que a mediação é apenas uma função, desempenhada por diversos
profissionais, como os psicólogos, os sociólogos, os juízes, os assistentes
sociais, os professores ou os animadores culturais? Ou será que trabalhadores
com estas múltiplas formações, que trabalham em mediação, poderão constituir um
novo grupo profissional – o dos mediadores? Será que um sociólogo que se dedica
à mediação de conflitos laborais passa a ser um mediador? Será que um psicólogo
que se dedica à mediação das relações interpessoais num agrupamento de escolas
se identifica como mediador? Será que cada um destes profissionais se
identifica mais com a sua actividade de mediador do que com a actividade de
sociólogo, de assistente social ou de psicólogo?
Até que ponto se identificam como
fazendo parte de uma mesma profissão? Até que ponto aqueles que se consideram
mediadores socioeducativos se sentem próximos dos mediadores de outras áreas? O
que contribuiu ou pode contribuir para uma maior identificação?
Cada vez é mais evidente e
presente, nas sociedades contemporâneas desenvolvidas, a actividade de mediação
formal em contextos institucionais diversificados. Os mediadores são
trabalhadores com formações muito diferenciadas; no campo mais restrito, que
aqui designamos de socioeducativo, também assim acontece.
Novos actores no trabalho em
educação: os mediadores socioeducativos, Revista Portuguesa de Educação,
2010, 23(2), pp. 119-151 © 2010, CIEd - Universidade do Minho.
Autores/as:
Ana M. Costa e Silva, Universidade do Minho, PortugalAna
Paula Caetano & amp; Isabel Freire, Universidade de Lisboa, Portugal Alfredo Moreira & Teresa Freire, Universidade do Minho, PortugalAna Sousa Ferreira, Universidade de Lisboa, Portugal
Paula Caetano & amp; Isabel Freire, Universidade de Lisboa, Portugal Alfredo Moreira & Teresa Freire, Universidade do Minho, PortugalAna Sousa Ferreira, Universidade de Lisboa, Portugal
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