terça-feira, 17 de abril de 2012

Novos actores no trabalho em educação: os mediadores socioeducativos

A crescente valorização social do trabalho em rede e da participação dos cidadãos e das comunidades na busca de soluções para os seus problemas favorece o aparecimento de novas práticas sociais promotoras de coesão social. A mediação formal, tendo (re)nascido nos anos 70, é uma delas, tendo vindo a afirmar-se em âmbitos sociais muito distintos, a partir de uma diversidade de concepções e modelos de mediação.

Assim, podemos identificar uns modelos mais orientados para a co-construção e para o reconhecimento da individualidade e da autonomia de cada um, partindo das suas perspectivas para as reconceptualizar no jogo comunicacional (modelo hermenêutico), outros modelos mais orientados para a transformação social, através de uma consciência crítica – e de uma determinação no sentido da emancipação relativamente a condicionamentos sociais – e do reconhecimento e capacitação de todos e de cada um (modelo transformativo).

A mediação, enquanto prática socioprofissional, e a figura do mediador, enquanto actor interveniente no restabelecimento de laços e interacções inexistentes ou fragilizadas, ou mesmo na prevenção de conflitos potenciando uma cultura de não violência (Xáres, 2002) e de participação responsável, tem-se tornado simbólica e socialmente relevante.

As características da sociedade actual, a (re) conceptualização das práticas de mediação e a receptividade das sociedades contemporâneas a este tipo de intervenção social têm feito com que a mediação, enquanto conceptualização teórica e prática socioprofissional, venha conhecendo uma expansão crescente. Hoje em dia, a mediação é muito mais do que uma técnica alternativa de resolução de conflitos, constituindo uma modalidade de regulação social, promotora da emancipação e da coesão social. Aplicada ao campo da educação, a mediação é ainda um meio de educação para a participação das novas gerações na construção da democracia e de educação para a paz.

A noção de mediação tem vindo a ser amplamente mobilizada encontrando-se associada a uma multiplicidade de práticas. Podemos, no entanto, encontrar nelas um denominador comum: o serem fundamentalmente sociais e educativas. A mediação é uma actividade fundamentalmente educativa, pois o objectivo essencial é proporcionar uma sequência de aprendizagem alternativa (nomeadamente entre pessoas em conflito, explícito ou implícito) superando o estrito comportamento reactivo ou impulsivo, contribuindo para que os participantes no processo de mediação adoptem uma postura reflexiva. Neste sentido, podemos também assumir a mediação como uma cultura de mudança social (Munné & Mac-Cragh, 2006; Torremorell, 2008) que promove a compreensividade entre os diferentes participantes no processo de mediação, defende a pluralidade, as diferentes versões sobre a realidade e fomenta a livre tomada de decisões e compromissos, contribuindo para a participação democrática. As práticas de mediação orientam-se, assim, no sentido da coesão social (Bonafé-Schmitt, 2009) – dimensão social – e da cidadania activa – dimensão educativa.

A mediação socioeducativa é aquela em que nos centramos no âmbito deste estudo, e incide preferencialmente nos contextos escolares, associativos e comunitários, enquanto método de resolução e gestão alternativa de conflitos, meio de regulação social e de recomposição pacífica de relações humanas. É uma prática que ocorre em contextos educativos, tanto escolares, como de educação não formal e informal, cuja acção se pode centrar em indivíduos – e no seu desenvolvimento e inserção social – ou em grupos e comunidades – com uma dimensão colectiva e de coesão social (Luison & Velastro, 2004).
As potencialidades da mediação para facilitar a ligação entre a escola, a família e a comunidade centram-se na valorização da comunicação com vista ao (r)estabelecimento das relações e interacções inexistentes ou fragilizadas, à aceitação e assumpção das diferenças, trabalhando no sentido do desenvolvimento de competências sociocomunicacionais e sinergias mútuas. Neste sentido, o papel do mediador é o de accionar redes de interacção e comunicação, proporcionar as pontes, as passereles, que promovam a aproximação daqueles que não conseguem ou têm dificuldade em comunicar(-se) (Freire, 2006).

Tal implica, por parte do mediador socioeducativo, uma polivalência de funções, que permita a melhoria do acesso aos recursos humanos e materiais, o apoio e articulação com outros profissionais e a criação de redes comunitárias. Trata-se, assim, de um entendimento do papel social e político da mediação, pelo que extravasa largamente a dimensão técnica em que alguns a circunscrevem. Neste sentido, convivência e coesão social não podem significar colonização e homogeneização, mas participação e heterogeneização, num quadro de reposição da confiança social (Freire & Caetano, 2008).

Neste quadro de intervenção socioprofissional, as situações de trabalho em que os mediadores se inscrevem são, sem dúvida, contextos de (auto)reconhecimento e satisfação pessoal e profissional. Conforme salienta Divay (2009: 243), "os mediadores encontraram o seu lugar junto de diferentes trabalhadores com quem interagem e que demonstram amplamente a sua utilidade". No entanto, como sublinha esta autora, não podemos ignorar o facto de que eles se tornaram partenaires indispensáveis, entre outras razões, porque o seu campo de intervenção é bastante elástico, o que permite recorrer-se-lhes para lhes delegar o trabalho menos agradável – ‘du sale boulot’ de acordo com Hughes (1996) – ou o trabalho que existe em excesso para os outros profissionais – ‘boulot en trop’ como o define Cadet (2005). Serão, porventura, estas razões – causas e/ou consequências – que subjazem às situações instáveis e precárias de emprego em que se encontram – em Portugal, como noutros países europeus – e até um certo isolamento, que não tem impulsionado "a força colectiva necessária que lhes permita reivindicar ‘um mandato para definir os comportamentos que deverão adoptar as outras pessoas face ao seu trabalho’ [Hughes, 1996: 9]" (Divay, 2009: 243).

Contudo, apesar da fragilidade do seu estatuto profissional, no caso do estudo que realizámos, os mediadores manifestam uma auto-imagem colectiva pública bastante positiva, como será salientado mais à frente. Uma profissão define-se a partir de um corpo especializado de trabalhadores, que dominam determinado conhecimento (prático e/ou teórico), considerado socialmente relevante, e que se sentem identificados entre si, considerando-se parte integrante desse colectivo.
 No caso dos mediadores, poderemos dizer que existe um saber com raízes sociológicas e antropológicas ancestrais, reinvestido, alargado e enquadrado no pensamento contemporâneo. Mas, em nosso entender, a sua especificidade radica mais no agir, no desenvolvimento de uma praxis, ou seja, na actividade do mediador e que, para além de uma importante componente técnica, implica uma forte componente ética e reflexiva.

As técnicas e as competências mobilizadas para a mediação são comuns a outras actividades, como a terapia, por exemplo. No entanto, na mediação elas surgem enquadradas por outras finalidades, tanto educativas como sociais. O campo da mediação surgiu e desenvolveu-se num quadro de raízes multidisciplinares que, como dizem Highton e Álvarez (1999: 191), “enriqueceram a profissão, mas também conseguiram confundir seu sentido de identidade; e, na forma como o mediador vê a profissão, tem um papel importante o próprio conhecimento como tal, mas também há elementos que variarão dependendo de sua própria profissão de origem.”

Assim se questiona muitas vezes: será que a mediação é apenas uma função, desempenhada por diversos profissionais, como os psicólogos, os sociólogos, os juízes, os assistentes sociais, os professores ou os animadores culturais? Ou será que trabalhadores com estas múltiplas formações, que trabalham em mediação, poderão constituir um novo grupo profissional – o dos mediadores? Será que um sociólogo que se dedica à mediação de conflitos laborais passa a ser um mediador? Será que um psicólogo que se dedica à mediação das relações interpessoais num agrupamento de escolas se identifica como mediador? Será que cada um destes profissionais se identifica mais com a sua actividade de mediador do que com a actividade de sociólogo, de assistente social ou de psicólogo?

Até que ponto se identificam como fazendo parte de uma mesma profissão? Até que ponto aqueles que se consideram mediadores socioeducativos se sentem próximos dos mediadores de outras áreas? O que contribuiu ou pode contribuir para uma maior identificação?

Cada vez é mais evidente e presente, nas sociedades contemporâneas desenvolvidas, a actividade de mediação formal em contextos institucionais diversificados. Os mediadores são trabalhadores com formações muito diferenciadas; no campo mais restrito, que aqui designamos de socioeducativo, também assim acontece.

Novos actores no trabalho em educação: os mediadores socioeducativos, Revista Portuguesa de Educação, 2010, 23(2), pp. 119-151 © 2010, CIEd - Universidade do Minho.
Autores/as:
Ana M. Costa e Silva, Universidade do Minho, PortugalAna
 Paula Caetano & amp; Isabel Freire, 
Universidade de Lisboa, Portugal Alfredo Moreira & Teresa Freire, Universidade do Minho, PortugalAna Sousa Ferreira, Universidade de Lisboa, Portugal

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